Precisamos falar sobre Effy Stonem

Quem não conhece Elizabeth Stonem?

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Não é necessário ter acompanhado a série Skins UK (2007 – 2013) para reconhecer esse rostinho. Interpretada por Kaya Scodelario e mais conhecida como Effy, a personagem dividiu fãs da série entre amor e ódio, fez com que milhares de pessoas almejassem seu estilo e transbordou redes sociais (especialmente o tumblr) com imagens de suas frases de efeito e seus cigarros infinitos.

Por que precisamos falar sobre uma personagem “mainstream” de uma série que já acabou?

Skins pode ter chegado ao fim, mas seu legado não. Sua multidão de fãs continua por aí, assim como a imagem de Stonem. Então, encontramos um problema: várias pessoas continuam querendo julgar quem é, ou pior, ser como Effy – e ninguém está discutindo o quão problemático é isso.

Atualmente, os debates sobre transtornos psiquiátricos tem tentado ganhar espaço, especialmente entre os jovens. Temas como depressão, bpd, ansiedade e síndrome do pânico, ainda que com resistência, têm recebido um olhar diferente. Infelizmente, diferente não significa necessariamente bom. Personagens neuroatípicas, como Effy, são, por vezes, mal interpretadas e romantizadas, aí mora o problema.

Afinal, quem, de fato, é Effy Stonem?

Realizando uma busca rápida, é possível encontrar definições gerais da personagem e da série. Irmã mais nova do manipulador e queridinho Tony Stonem (Nicholas Hoult), Effy é uma pessoa que cresceu na sombra do irmão em um ambiente familiar conturbado. A primeira oportunidade de entender a personagem é dada no unseen especial ‘Pop’, no qual ela aparece contando uma história que metaforiza sua relação com Tony. Seu passado não é muito explorado, mas é visível o quanto afetou sua personalidade peculiar.

large (1).jpgDe garotas rebeldes com comportamento irreverente, o campo do entretenimento está cheio. Se há uma coisa que hollywood não sabe trabalhar com, essa coisa se chama personagens femininos – aqui está um ótimo texto sobre isso.

O estereótipo de Effy, da garota que não liga para ninguém – nem para si mesma -, sempre com frases prontas, estilo alternativo e extremamente sensualizado, atitude meio badass, é só mais um dentre os estereótipos lineares aos quais as mulheres são enquadradas. Porém, há um ponto em que toda a glamourização linear de Effy é desconstruída.

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Effy – assim como a autora que vos fala – é portadora de depressão, mais especificamente, depressão psicótica: um quadro depressivo que também apresenta comportamentos de dissociação da realidade. Há um unseen da série que exemplifica muito bem os sintomas e as sensações da personagem em seu período de “crise”, você pode assistir clicando aqui.

Para quem é familiarizado com quadros depressivos, foi possível notar a evolução dos sintomas em Effy até o ápice – quando ela tenta se matar. Porém, para uma grande maioria, ela estava lá, desfilando e brincando com as pessoas ao seu redor, até que “ficou louca”. Não é assim que funciona. Vamos tentar entender algumas coisas:

1. Effy não “ficou louca do nada”, tampouco por causa de seus relacionamentos.
A depressão, como outros transtornos psiquiátricos, não surge da noite para o dia. Assim como também não surge de uma tristeza profunda causada por um motivo específico. Porém, relacionamentos e outras situações pessoais afetam, sim, a situação de uma pessoa neuroatípica e podem, sim, agravar o quadro. Como qualquer ser humano, portadores de transtornos psiquiátricos são um conjunto de experiências e consequências que os afetam.

Effy, apesar de fictícia, não é diferente. Sua trajetória durante toda a série mostra o quão grande é sua falta de tato com sentimentos, especialmente, por tentar evitá-los. Assim, se espelha no irmão e, como ele, tenta brincar com as pessoas, mas falha.  As relações com Cook (Jack O’Connell) e Freddie (Luke Pasqualino) são nada mais nada menos que reflexos disso.tumblr_n018yfLv6P1ridbiho1_250

A princípio, falando sobre esses relacionamentos, é sempre bom lembrar aos atrasados de plantão que consideram Effy “uma puta” ou algum adjetivo usado de modo arcaico de forma semelhante: ela nada mais é que uma adolescente desfrutando da liberdade sexual que se espera que alguém da sua idade tenha. Infelizmente, uma adolescente com problemas, o que infalivelmente afetou todas as suas relações.

Não entrarei em méritos sobre a hipersexualização da personagem, pois creio que isso é um ponto mais do que óbvio e sua discussão fugiria do foco.

2. A ideia de que Effy necessita dos cuidados de Freddie é completamente errada
A romantização de situações que envolvem danos psicológicos já é problemática antiga – aqui você pode ler um texto específico sobre o tema. Eis a situação: uma pessoa dentro dos padrões do que é considerado saudável abre mão de tudo para cuidar de outra pessoa, uma pessoa doente – com problemas psiquiátricos. Todos colorem a cena e chamam isso de amor. Sinto informar-lhes, não é.

Essas pessoas precisam, sim, de cuidado. Açúcar, tempero e tudo que há de bom não são só ingredientes para criar as garotinhas perfeitas, são ótimos e altamente recomendáveis para todos nós, especialmente para aqueles que precisam de cuidado especial. Porém, há uma linha tênue entre cuidado e dependência, essa é a linha que a romantização de doenças tão graves não sabe respeitar.

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O apoio de Freddie e todo seu esforço para tentar ajudar a namorada foram extremamente válidos, porém, ele é só um garoto, um adolescente tentando cuidar de outra adolescente. Se isso soasse como algo que poderia funcionar e realmente fosse a solução, Effy teria tentado se matar? Ela teria surtado tantas vezes e ido aos seus piores estágios da doença com ele ali, ao seu lado?

Os dois criaram uma relação de dependência e ficaram em função um do outro por um período extremamente exagerado e nem um pouco saudável. Mais um relacionamento que poderia ter sido bonitinho, mas foi para a coleção de relações totalmente não recomendáveis que a mídia tenta incansavelmente esfregar na cara dos jovens. Amor é companheirismo, não dependência.

Nós, pessoas neuroatípicas, não somos nossas doenças, tampouco estamos totalmente incapacitados por elas a ponto de precisar de algo como uma babá. Tratar uma pessoa em nossa situação assim é prejudicial. Por vezes, precisamos de atenção e compreensão além do usual, porém, isso nem de longe é sinônimo de dependência – pelo menos não deveria ser. Effy não necessita de Freddie. Ela precisava de cuidado, coisa que ele TENTOU proporcionar, porém, não foi em seu relacionamento com ele nem seria em seu relacionamento com qualquer outra pessoa que ela encontraria ajuda para seu transtorno.

O problema em ser como Effy Stonem.

Almejar tal coisa, estando ciente da situação da personagem, é, de longe, uma grande falta de noção. Por trás da glamourização de Effy, existe uma doença séria e uma pessoa que se auto destrói, além de prejudicar quem está a sua volta. Precisamos falar sobre ela, pois ninguém está falando sobre o que há por trás dela. Assim como existe uma história de abuso por trás de Harley Quinn, entre outras personagens icônicas por aí.

Kaya é uma bela mulher e ótima atriz, é normal querer se sentir bela como ela ou ter um estilo ousado como o da personagem que ela interpreta. Se esse é o caso, não espere mais nada. Seja, ouse, mas em momento algum generalize um problema como os que são retratados em Skins por mera idealização.

Elizabeth Stonem é uma personagem maravilhosa com lições a ensinar e estereótipos para quebrar. Infelizmente, não foi tão bem aproveitada, caiu nas garras do mainstream e foi banalizada. Ainda assim, muitos de nós a amamos. Por isso, peço que, por favor, a amem da forma certa, como ela merece e, se possível, por nós, portadores de transtornos psiquiátricos, pois ainda estamos buscando uma representação minimamente justa.

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27 respostas para “Precisamos falar sobre Effy Stonem”

  1. Amei a postagem.
    Primeiro , abordou um assunto a qual a sociedade ainda tem preconceito, e segundo pela sinceridade e a utilização de um série tão boa como Skins que nos dá uma base sobre diversos assuntos. Adorei 👏👏👏

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  2. Um texto que eu não sabia que precisava ser escrito, até agora. Effy foi realmente uma personagem marcante e talvez, quando eu vi essa série anos atrás, a tenha romantizado como a maioria. Hoje em dia já tenho um olhar diferente, identifico alguns dos meus momentos negros aos dela e vejo o quão errônea foi minha primeira impressão. É bom desconstruir essa personagem pra variar.

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  3. Muito bom o texto!!! Realmente, muitos adolescentes romantizam personagens com verdadeiros problemas psicológicos, e olha que skins não é uma série romântica e nem foi feita para se romantizar. Ao meu ver, o diretor deixa bem explícito os personagens com seus problemas e o telespectador deve captar e sentir o que essa série (pesadíssima) quer passar.
    O pior é que não é so Effy que é romantizada. Vale ressaltar a Cassie com seu problema de bulimia que CONSTANTEMENTE é lembrada como a cool girl do ”wow, lovely” e das drogas.

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  4. Gostei muito do seu texto e no geral concordo com a sua opinião, mas ainda assim sabendo que o Freddie não poderia ajudar a Effy, acho que a participação dele em sua vida não foi algo ruim. Sabemos que ele tinha uma vida tranquila até então e isso acabou assim que eles começaram a se envolver, contudo ele tinha opção e optou por tentar ajudá-la por amor ( Dai vem um motivo para a série ter romantizado a situação de modo equivocado), e naquele momento a Effy precisava de ajuda profissional sim, mas também de pessoas que se importavam com ela, apesar de infelizmente preocupação não resolver tudo. 🙂

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    1. Muito obrigada! Sobre os dois, também não acho que a existência de Freddie na vida da Effy foi ruim. Apenas tentei dizer que a forma como esse envolvimento ficou pesado não foi saudável. Por isso, disse que poderia ter sido um bom casal, porém, caíram nas garras dos relacionamentos nem um pouco saudáveis.

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  5. Eu gostei do texto e concordo com ele, mas pra mim pareceu que voce nao explicou direito. Voce passa um tempo falando sobre caracteristicas da personagem que não são ligadas a doença, explica elas, quebra tabus e deixa um caminho claro para finalmente explicar o que há de errado em ser como ela e praticamente não explica.
    Não entenda errado, voce escreve muito bem e isso é uma critica construtiva, mas eu esperava que você apontasse os sinais que cita da doença sendo construida na serie, talvez falasse da relação das drogas com o desenvolvimento da doença dela e ate da forma como ela usa a sexualidade dela (e nao so a produçao) para permanecer distante. Ou talvez do problema que existe para que na nossa cultura os jovens queiram ser assim. Porque pra mim o problema com querer ser a effy vai alem de ela ser problematica, mas sim pelo culto que existe a mulheres problematicas como se fosse algo legal. Quem pode dizer se a effy nao começou a tentar ser fria porque tambem achava legal?

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    1. Muito obrigada, tanto pelo elogio quanto pela crítica, achei sua crítica realmente muito construtiva. Perdão pela demora para responder. Realmente me faltou maior profundidade nesses debates. Creio que fiquei com receio que me perder no texto ou de dizer algo que não tenho propriedade para falar sobre, no caso da doença, e acabar dizendo algo errado. Apesar de ser portadora do mesmo transtorno, não possuo conhecimento de uma médica ou psicóloga. Espero poder melhorar, quem sabe não faço um texto para tratar essas questões específicas.

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  6. Eu, pessoalmente, amei seu texto. Você conseguiu fazer com que eu olhasse a Effy com outros olhos além do modo que eu já a observava. Conseguiu ampliar meu horizonte em relação ao problema apresentado pelo personagem. E na minha opinião, a galera costuma achar que o Freddy cuidava da Effy pelo modo que ela agia, ela parecia entender que ele era o único que sabia que ela não estava bem e só vinha piorando, porém por mais que o Freddy entendesse isso eu não acho que ela era apto para cuidar disso e cuidar da Effy.
    Adorei o post, parabéns.

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  7. Acho que todo mundo que assistiu Skins quando era mais novo (eu, por exemplo, tinha 18 quando vi pela primeira, hoje tenho 24) deveria ver a série de novo, ao menos alguns episódios. Fiz isso e a minha visão sobre os personagens e histórias mudou muito, a Effy foi uma delas, e seu texto é maravilhoso, principalmente na relação dela com o Fred. Acho que quando somos mais novos queremos ser como os personagens porque pensamos que eles sabem ”lidar” com a vida apenas com um cigarro, enquanto tem um turbilhão de coisas passando em nossa cabeça e não sabemos o que fazer com elas.

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  8. Eu ainda não vi a série, mas vejo como minhas amigas romantizam a Effy e, vejo cono elas romantizam relacionamentos depentes. Eu queria/quero ver a série e, com a postagem, eu percebi, mesmo antes de ver a série, que não posso romantizam esse tipo de coisa, mesmo nunca tendo romantizado.

    Obrigada!

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  9. Descobri a série vendo um clipe feito de forma amadora com cenas da personagem. Daí comecei a assistir sempre esperando vê-la em evidência. Muito do que foi dito em sua matéria cai como spoiler, estou no início da segunda temporada, mas não é disso que com falar. Você colocou a personagem e sua humanidade de maneira magistral em seu texto. Trouxe reflexões extremamente pertinentes e fez com que eu gostasse ainda mais da personagem. Por quê? Estou em um processo na vida em que provavelmente me enquadrarei nessa situação, do analista indo do psiquiatra. Sua forma humana de dissertar sobre o problema da personagem me tocou profundamente, por isso, apesar de ter escrito um monte de coisas, agradeço de coração pela reflexão e também por fazer me sentir que não estou só. Obrigado.

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